Não era um casamento comum. A tarde fria de agosto deixava um sabor áspero nos que entravam na igreja. As nuvens aveludadas e acinzentadas, carregadas de névoa e geadas, andavam lentamente fazendo questão de esconder o sol.
Os devaneios na cabeça de Marina eram muitos. Quase tão grandes quanto as nuvens pesadas. Pequenos cristais d’água brilhavam em seus olhos e desciam lentamente pelo seu rosto borrando a maquiagem recém feita.
Dúvidas ela não tinha, porém sabia que se enfrentasse o seu caminho sofreria. Duas escolhas a cercavam como um véu de seda pura. Sabia que para seguir seu coração teria de renunciar a sua vida. E só de saber aquilo sentia seu coração bater mais forte do que o mundo poderia girar. Sentia como se fosse a única respirando dentro da sala abarrotada de velhas e gordas mulheres, todas emocionadas com a situação.
A igreja, agora cheia, tinha um cheiro quase pútrido de velas. O padre, muito velhinho, estava impaciente no altar. E Rodrigo sentia suas mãos suando. Sabia da verdade. Gostaria muito de poder sair correndo e chorar. Mas tinha conhecimento de que se o fizesse, entregaria sua honra aos presentes como quem vende um móvel velho e obsoleto.
Marina levantou seca, limpou as lágrimas e se dirigiu a porta. Sua decisão estava formada e nada poderia mudar o que deliberara. Renunciaria ao seu coração e teria uma vida plena e fácil ao lado de seu futuro marido. Seria esposa, mãe e avó. Tricotaria, cozinharia e limparia a casa. Por mais que odiasse tudo aquilo.
O silêncio se fez ao som da marcha matrimonial. Todos ficaram de pé e viram a noiva. Bela, formosa, a mulher mais bonita daquelas pradarias. Seu rosto manchado e vermelho, com pequenos brilhantes denunciando o seu choro anterior. Caminhou lentamente em direção ao seu amanhã.
Parou por um momento. Sentiu vontade de sumir no ar, como o pó levado pelo vento. Entretanto, seguiu seu caminho. Sentia-se predestinada ao sofrimento. Via todos os seus anos de dedicação indo embora.
Chegou ao lado de Rodrigo. Ambos viraram-se para o padre, que agora tentava encontrar seus versos. Murmúrios saltavam de sua boca dirigindo-se ao coração dos noivos. Pequenas alianças escorregaram entre os dedos. Olhares frios. Uma fotografia que parou o tempo. E chegou a hora de sair.
Arroz, buquê, histeria e a próxima vítima. Os noivos são levados a casa do pai de Marina, onde haverá uma comemoração formal. Rodrigo toma uma decisão ao ver um passarinho. Pequeno, lutava contra o vento gélido em busca de um lugar que o acolhesse durante o inverno, pois havia perdido seu bando na partida para um lugar mais quente.
Pousou sua mão sobre a mão de Marina, que imediatamente se retorceu contra. Disse em seu ouvido discretamente que queria lhe contar um segredo e era importante. Marina não deu relevância ao fato e disse necessitar retirar-se. Subiu as escadas para seu quarto no momento mais oportuno e abriu uma gaveta com a chave que carregava consigo.
De lá tirou um lenço e desenrolou-o. Pegou o pequeno vidrinho com um líquido vermelho sangue. Pensou em tudo que seu pai havia lhe dito. Em todo o sofrimento de sua mãe. Pensou em seus sonhos perdidos. Bebeu, gole por gole até secar o vidro. E desceu novamente.
Rodrigo a conduziu para uma varanda, onde as pessoas presentes não poderiam ouvi-los. Segurou as mãos de Marina e assumiu saber de seus desejos. Disse estar preocupado, mas prometeu levá-la para a cidade e dar-lhe uma chance para estudar como sempre quis. Marina sentiu-se tonta com as palavras. Não esperava que a felicidade pudesse um dia bater em sua porta sem aviso. Rodrigo percebeu que seu rosto estava pálido. Então como um último suspiro, Marina desfaleceu em seus devaneios para sempre, enquanto Rodrigo descobriu em seu coração o quanto amava aquela menina-mulher.
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