segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Pensei até demais

Da janela do meu quarto
Dois mundos me espreitam
Norte e Sul da esperança
Me causam tanto desespero

Lembranças vem ao me encontro
Enquanto o vento corre solto
Como a liberdade de um recém nascido
Quem dera eu tivesse vivido

E nessa grande diferença
Que se impõem entre esses mundos
Não restam desavenças
São o amor e a amizade
Dois bêbados profundos
Vagando em busca de um alento

Deborah Cattani

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Burros Motivados

Matéria retirada da revista ISTO É, assinada pelo jornalista Camilo Vannuchi.

Roberto Shinyashiki, 53 anos, é psiquiatra e psicoterapeuta. Já vendeu 6,5 milhões de exemplares de livros como Amar pode dar certo e O sucesso é ser feliz.
Presidente da Editora Gente, conclui este ano o doutorado em administração de empresas na Universidade de São Paulo (USP). Católico praticante, freqüenta templos budistas e admira mestres da Índia como Osho, Sai Baba e Ramesh. Apaixonado por guitarra, apresenta-se uma vez por mês com o grupo Dinossauros Rock Band em um bar paulistano
. Observador contumaz das manias humanas, Roberto Shinyashiki está cansado dos jogos de aparência que tomaram conta das corporações e das famílias. Nas entrevistas de emprego, por exemplo, os candidatos repetem o que imaginam que deve ser dito. Num teatro constante, são todos felizes, motivados, corretos, embora muitas vezes pequem na competência. Dizem-se perfeccionistas: ninguém comete falhas, ninguém erra. Como Álvaro de Campos (heterônimo de Fernando Pessoa) em Poema em linha reta, o psiquiatra não compartilha da síndrome de super-heróis. “Nunca conheci quem tivesse levado porrada na vida (...) Toda a gente que eu conheço e que fala comigo nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho, nunca foi senão príncipe”, dizem os versos que o inspiraram a escrever Heróis de verdade (Editora Gente, 168 págs., R$ 25). Farto de semideuses, Roberto Shinyashiki faz soar seu alerta por uma mudança de atitude. “O mundo precisa de pessoas mais simples e verdadeiras.” Em Heróis de Verdade, o escritor combate a supervalorização da aparências, diz que falta ao Brasil competência, e não auto-estima.


ISTOÉ – Quem são os heróis de verdade?
Roberto Shinyashiki –
Nossa sociedade ensina que, para ser uma pessoa de sucesso, você precisa ser diretor de uma multinacional, ter carro importado, viajar de primeira classe. O mundo define que poucas pessoas deram certo. Isso é uma loucura. Para cada diretor de empresa, há milhares de funcionários que não chegaram a ser gerentes. E essas pessoas são tratadas como uma multidão de fracassados. Quando olha para a própria vida, a maioria se convence de que não valeu a pena porque não conseguiu ter o carro nem a casa maravilhosa. Para mim, é importante que o filho da moça que trabalha na minha casa possa se orgulhar da mãe. O mundo precisa de pessoas mais simples e transparentes. Heróis de verdade são aqueles que trabalham para realizar seus projetos de vida, e não para impressionar os outros. São pessoas que sabem pedir desculpas e admitir que erraram.

ISTOÉ – O sr. citaria exemplos?
Shinyashiki –
Dona Zilda Arns, que não vai a determinados programas de tevê nem aparece de Cartier, mas está salvando milhões de pessoas. Quando eu nasci, minha mãe era empregada doméstica e meu pai, órfão aos sete anos, empregado em uma farmácia. Morávamos em um bairro miserável em São Vicente (SP) chamado Vila Margarida. Eles são meus heróis. Conseguiram criar seus quatro filhos, que hoje estão bem. Acho lindo quando o Cafu põe uma camisa em que está escrito “100% Jardim Irene”. É pena que a maior parte das pessoas esconda suas raízes. O resultado é um mundo vítima da depressão, doença que acomete hoje 10% da população americana. Em países como Japão, Suécia e Noruega, há mais suicídio do que homicídio. Por que tanta gente se mata? Parte da culpa está na depressão das aparências, que acomete a mulher que, embora não ame mais o marido, mantém o casamento, ou o homem que passa décadas em um emprego que não o faz se sentir realizado, mas o faz se sentir seguro.

ISTOÉ – Qual o resultado disso?
Shinyashiki –
Paranóia e depressão cada vez mais precoces. O pai quer preparar o filho para o futuro e mete o menino em aulas de inglês, informática e mandarim. Aos nove ou dez anos a depressão aparece. A única coisa que prepara uma criança para o futuro é ela poder ser criança. Com a desculpa de prepará-los para o futuro, os malucos dos pais estão roubando a infância dos filhos. Essas crianças serão adultos inseguros e terão discursos hipócritas. Aliás, a hipocrisia já predomina no mundo corporativo.

ISTOÉ – Por quê?
Shinyashiki –
O mundo corporativo virou um mundo de faz-de-conta, a começar pelo processo de recrutamento. É contratado o sujeito com mais marketing pessoal. As corporações valorizam mais a auto-estima do que a competência. Sou presidente da Editora Gente e entrevistei uma moça que respondia todas as minhas perguntas com uma ou duas palavras. Disse que ela não parecia demonstrar interesse. Ela me respondeu estar muito interessada, mas, como falava pouco, pediu que eu pesasse o desempenho dela, e não a conversa. Até porque ela era candidata a um emprego na contabilidade, e não de relações públicas. Contratei na hora. Num processo clássico de seleção, ela não passaria da primeira etapa.

ISTOÉ – Há um script estabelecido?
Shinyashiki –
Sim. Quer ver uma pergunta estúpida feita por um presidente de multinacional no programa O aprendiz? “Qual é seu defeito?” Todos respondem que o defeito é não pensar na vida pessoal: “Eu mergulho de cabeça na empresa. Preciso aprender a relaxar.” É exatamente o que o chefe quer escutar. Por que você acha que nunca alguém respondeu ser desorganizado ou esquecido? É contratado quem é bom em conversar, em fingir. Da mesma forma, na maioria das vezes, são promovidos aqueles que fazem o jogo do poder. O vice-presidente de uma das maiores empresas do planeta me disse: “Sabe, Roberto, ninguém chega à vice-presidência sem mentir.” Isso significa que quem fala a verdade não chega a diretor?

ISTOÉ – Temos um modelo de gestão que premia pessoas mal preparadas?
Shinyashiki –
Ele cria pessoas arrogantes, que não têm a humildade de se preparar, que não têm capacidade de ler um livro até o fim e não se preocupam com o conhecimento. Muitas equipes precisam de motivação, mas o maior problema no Brasil é competência. Cuidado com os burros motivados. Há muita gente motivada fazendo besteira. Não adianta você assumir uma função para a qual não está preparado. Fui cirurgião e me orgulho de nunca um paciente ter morrido na minha mão. Mas tenho a humildade de reconhecer que isso nunca aconteceu graças a meus chefes, que foram sábios em não me dar um caso para o qual eu não estava preparado. Hoje, o garoto sai da faculdade achando que sabe fazer uma neurocirurgia. O Brasil se tornou incompetente e não acordou para isso.

ISTOÉ – Está sobrando auto-estima?
Shinyashiki – Falta às pessoas a verdadeira auto-estima. Se eu preciso que os outros digam que sou o melhor, minha auto-estima está baixa. Antes, o ter conseguia substituir o ser. O cara mal-educado dava uma gorjeta alta para conquistar o respeito do garçom. Hoje, como as pessoas não conseguem nem ser nem ter, o objetivo de vida se tornou parecer. As pessoas parece que sabem, parece que fazem, parece que acreditam. E poucos são humildes para confessar que não sabem. Há muitas mulheres solitárias no Brasil que preferem dizer que é melhor assim. Embora a auto-estima esteja baixa, fazem pose de que está tudo bem.

ISTOÉ – Por que nos deixamos levar por essa necessidade de sermos perfeitos em tudo e de valorizar a aparência?
Shinyashiki –
Isso vem do vazio que sentimos. A gente continua valorizando os heróis. Quem vai salvar o Brasil? O Lula. Quem vai salvar o time? O técnico. Quem vai salvar meu casamento? O terapeuta. O problema é que eles não vão salvar nada! Tive um professor de filosofia que dizia: “Quando você quiser entender a essência do ser humano, imagine a rainha Elizabeth com uma crise de diarréia durante um jantar no Palácio de Buckingham.” Pode parecer incrível, mas a rainha Elizabeth também tem diarréia. Ela certamente já teve dor de dente, já chorou de tristeza, já fez coisas que não deram certo. A gente tem de parar de procurar super-heróis. Porque se o super-herói não segura a onda, todo mundo o considera um fracassado.

ISTOÉ – O conceito muda quando a expectativa não se comprova?
Shinyashiki –
Exatamente. A gente não é super-herói nem superfracassado. A gente acerta, erra, tem dias de alegria e dias de tristeza. Não há nada de errado nisso. Hoje, as pessoas estão questionando o Lula em parte porque acreditavam que ele fosse mudar suas vidas e se decepcionaram. A crise será positiva se elas entenderem que a responsabilidade pela própria vida é delas.

ISTOÉ – É comum colocar a culpa nos outros?
Shinyashiki –
Sim. Há uma tendência a reclamar, dar desculpas e acusar alguém. Eu vejo as pessoas escondendo suas humanidades. Todas as empresas definem uma meta de crescimento no começo do ano. O presidente estabelece que a meta
é crescer 15%, mas, se perguntar a ele em que está baseada essa expectativa, ele não vai saber responder. Ele estabelece um valor aleatoriamente, os diretores fingem que é factível e os vendedores já partem do princípio de que a meta não será cumprida e passam a buscar explicações para, no final do ano, justificar. A maioria das metas estabelecidas no Brasil não leva em conta a evolução do setor. É uma chutação total.

ISTOÉ – Muitas pessoas acham que é fácil para o Roberto Shinyashiki dizer essas coisas, já que ele é bem-sucedido. O senhor tem defeitos?
Shinyashiki –
Tenho minhas angústias e inseguranças. Mas aceitá-las faz minha vida fluir facilmente. Há várias coisas que eu queria e não consegui. Jogar na Seleção Brasileira, tocar nos Beatles (risos). Meu filho mais velho nasceu com uma doença cerebral e hoje tem 25 anos. Com uma criança especial, eu aprendi que ou eu a amo do jeito que ela é ou vou massacrá-la o resto da vida para ser o filho que eu gostaria que fosse. Quando olho para trás, vejo que 60% das coisas que fiz deram certo. O resto foram apostas e erros. Dia desses apostei na edição de um livro que não deu certo. Um amigão me perguntou: “Quem decidiu publicar esse livro?” Eu respondi que tinha sido eu. O erro foi meu. Não preciso mentir.

ISTOÉ – Como as pessoas podem se livrar dessa tirania da aparência?
Shinyashiki –
O primeiro passo é pensar nas coisas que fazem as pessoas cederem a essa tirania e tentar evitá-las. São três fraquezas. A primeira é precisar de aplauso, a segunda é precisar se sentir amada e a terceira é buscar segurança. Os Beatles foram recusados por gravadoras e nem por isso desistiram. Hoje, o erro das escolas de música é definir o estilo do aluno. Elas ensinam a tocar como o Steve Vai, o B. B. King ou o Keith Richards. Os MBAs têm o mesmo problema: ensinam os alunos a serem covers do Bill Gates. O que as escolas deveriam fazer é ajudar o aluno a desenvolver suas próprias potencialidades.


quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Para entender o conflito

Para quem não sabe, eu morei em Israel algumas vezes e tenho uma visão diferente perante a posição que o país se encontra na mídia. Recebi um e-mail hoje de uma amiga que está indo fazer faculdade lá, com fontes de textos explicativos muito interessantes que vou colocar aqui a disposição dos nossos leitores.


* Os melhores textos sobre o assunto, no jornalismo brasileiro, estão sendo escritos pelo Reinaldo Azevedo, articulista da Veja. http://veja.abril.com.br/blogs/reinaldo/
* O mais abrangente e elucidativo: http://veja.abril.com.br/blogs/reinaldo/2009/01/sim-ou-no-existncia-de-israel-essa.html
* Sobre a patrulha antissemita na Internet: http://veja.abril.com.br/blogs/reinaldo/2009/01/e-eles-se-revelam.html
* Sobre a guerra ideológica: http://veja.abril.com.br/blogs/reinaldo/2009/01/carne-barata-das-crianas-palestinas.html
* Três textos centrais para o entendimento de mitos que preenchem a causa Palestina. Escritos por Ben Dror Yemeni, colunista de centro-esquerda do jornal Ma'ariv, traduzidos por Nuno Guerreiro Josué, do blog Rua da Judiaria.
* Texto 1: http://ruadajudiaria.com/index.php?p=543
* Texto 2: http://ruadajudiaria.com/?p=544
* Texto 3: http://ruadajudiaria.com/?p=620
* Em inglês, o jornalista Tom Gross oferece boletins constantes e acurados sobre Oriente Médio, Israel, antissemitismo, jihad global, desinformação jornalística, etc. http://tomgrossmedia.com/mideastdispatches/
* Sobre a moralidade do conflito: http://www.aish.com/jewishissues/middleeast/Moral_Clarity_in_Gaza.asp
* A operação talvez cesse em alguns dias, mas a jihad trabalha 24 horas. Jihad Watch monitora os movimentos islamofascistas pelo mundo: http://www.jihadwatch.org/

Por Deborah Cattani

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

A Bomba A em forma de livro

O homem tem uma tendência em se interessar pelo sofrimento alheio. Além disso, é da natureza humana criar guerras e conflitos. Ao longo da história, a única mudança é que essas guerras deixaram de ser tão esporádicas e passaram a ser encobertas, mascaradas e justificadas da melhor maneira possível. Em Hiroshima não foi diferente. Quantas pessoas tomaram conhecimento dos verdadeiros efeitos da bomba atômica antes e depois de sua execução no Japão? Qual a justificativa para matar por décadas tantos civis desinteressados no que se passava no mundo?

A resposta para todas essas perguntas vem a tona na fala de seis sobreviventes da Bomba A, como era chamada, um ano após a tragédia através de um jornalista obstinado a contar nos mínimos detalhes o que realmente aconteceu. Foi assim que John Hersey comoveu o mundo pela revista The New Yorker não somente como relatos de uma história, mas também com o sentimento dessas pessoas que apesar de perderem tudo continuaram vivendo e encontraram forças para seguir em frente sem ressentimentos. A revista acabou por dedicar uma edição inteira à primeira parte da reportagem de Hersey, que foi lançada dias depois do primeiro aniversário da explosão e se esgotou feito água nas bancas.

Considerada uma das mais importantes e notáveis matérias do século XX, Hiroshima (Companhia das Letras) junta a primeira visita do jornalista ao local do fato, um ano após a explosão, e seu retorno 40 anos depois, em um livro, para mostrar como a vida dos seis hibakushas (palavra japonesa que designa os sobreviventes da Bomba A) se desenvolveu. Apesar da relevância, o livro é de um conteúdo forte, o que o torna sensacional e repulsivo ao mesmo tempo: "Muitos estavam nus ou envoltos em farrapos. Em alguns corpos despidos as queimaduras acompanhavam o contorno das camisetas e suspensórios e, na pele de algumas mulheres, o das flores dos quimonos (o branco repeliu o calor da bomba, enquanto as roupas escuras o absorveram e o conduziram para a pele). Muitos feridos apoiavam parentes que se achavam em condições piores. Quase todos caminhavam de cabeça baixa, olhando para a frente, em silêncio, absolutamente inexpressivos".

A Segunda Guerra é um elemento pouco mencionado na parte inicial. O foco se dá nas pessoas, o que humaniza mais o relato. Nos 40 anos depois, Hersey se concentra na questão dos testes com as bombas, que tiveram continuidade até meados dos anos 70; no presidente Harry Truman que não se desculpou ou mostrou um sinal sequer de arrependimento por autorizar o lançamento do projétil; e, é claro, na falta de ressentimento e expressividade do povo japonês. Um livro que poderia fazer parte da literatura e formação de todos os seres humanos, só faz provar como somos incapazes de nos sensibilizarmos e solidarizarmos com atos monstruosos como esse.

Por Deborah Cattani