quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Vestíbulos do Brasil

Ontem o Juremir Machado da Silva publicou em sua coluna, no jornal Correio do Povo, um texto sobre a injustiça do vestibular. Eu raramente toco nesse assunto, mas não resisti. Partilho da mesma opinião do jornalista e professor. Não apenas por ter sido uma vítima do sistema, porém também como membro da mídia e desta sociedade. Antes de contar a minha história que exemplifica bem o falho engenho do ensino brasileiro, gostaria de citar um trecho do que o Juremir disse:

Todo ano, na época do Enem, reflito sobre o vestibular. É o sistema mais cruel ja aplicado por um país contra seus jovens. Está baseado na falsa justiça da meritocracia. Um país sério estabelece o escore mínimo a ser alcançado por um estudante para entrar na universidade e banca vagas para todos os aprovados. Esse conhecimento mínimo é exigido em nome do bom acompanhamento das atividades universitárias. Já o vestibular cria uma competição entre os adolescentes, isenta o Estado de abrir vagas para todos e gera a ideia de que só os 'melhores' devem chegar à universidade.
Eu cresci em uma família que não tinha condições financeiras privilegiadas. Estudei seis anos em um colégio elitista graças a uma bolsa de estudos. Depois fui para outra escola particular ser bolsista devido ao fato de minha mãe ser professora da instituição. Meu último ano foi em escola pública. Não tive aula de matemática durante todo o período letivo, porque a professora havia se mudado de cidade e não comparecia mais a escola. As aulas de física eram uma piada. Qualquer precipitação de chuva era motivo para cancelar as aulas. Eu, vinda de boas escolas particulares, ficava abismada com o descaso (não só do sistema, como também das pessoas que o compõem).
De qualquer maneira, terminei os ensinos fundamental e médio no tempo certo. Como não tinha certeza do que eu gostaria de ser, fiz vestibular para duas instituições particulares, passei e não tive recursos de cursar. Fui fazer cursinho com a ajuda de um parente que me conseguiu um bolsa. Fiz seis meses de cursinho e no inverno entrei para jornalismo na PUCRS. Cheguei a fazer o Enem, na época, com um escore bem alto. Fiquei em primeiro na lista do Prouni para jornalismo na PUCRS. Perdi a bolsa porque  o salário da minha mãe era 50 reais a mais do valor permitido naquela pesquisa socioeconômica. Sim, ridículo. Minha mãe recebia bruto uns 3 mil reais, no período, para me sustentar sozinha. O valor da mensalidade do jornalismo era acima de mil reais. Desconte do salário dela plano de saúde e faculdade e mal sobra pro supermercado e as contas básicas (condomínio, luz...). No entanto, para o Estado, eu era uma pessoa com condições de pagar a faculdade. Acabei cursando o jornalismo até o fim, porque fiz um financiamento (que vai me custar a alma) e uma tia avó me ajudou a pagar muitas mensalidades atrasadas.
Cá estou, formada e desempregada. Sabem por que eu nunca tentei uma federal? Por medo. Medo de ver o quão pouco eu sei de física, química e matemática. Medo de mostrar pro sistema que apesar de ter sido aluna de escolas particulares, eu não tenho QI para responder complexas questões sobre logaritmos ou sobre ligações de hidrogênio. Quando eu estava na escola, meu sonho era fazer medicina, ou algo do gênero. Sonho que se quebrou quando eu tive que enfrentar o dilema do vestibular. Nunca teria a oportunidade de me preparar como os outros para tentar uma federal, muito menos dinheiro para entrar numa particular. Tive que me redirecionar. Por causa disso, fui uma aluna medíocre do jornalismo. Não levei muitas coisas a sério. Quis sair e desistir muitas vezes. Não procurei os estágios certos e acho que é por isso que não consigo emprego na minha área hoje. Não fui má aluna. Apenas não me apaixonei e me destaquei.
Agora, estou tentando refazer o meu caminho. Refiz o Enem, acho que fui bem, já que muitas questões envolviam jornalismo (chega a ser irônico). Vou tentar a federal, mas não para medicina. Continuo achando quase impossível para um indivíduo como eu fazê-lo. Escolhi ciências sociais. Talvez como antropóloga eu possa mudar esse cenário rídiculo da educação, um dia.

sábado, 15 de outubro de 2011

Programas de auditório e a opinião pública

Trabalho feito em 2008, no início da faculdade de jornalismo. Apesar de não estar na ABNT e conter alguns errinhos, achei legal postar, uma vez que o tema é interessante e vale a pena ver minha evolução acadêmica :)


domingo, 9 de outubro de 2011

Sobre Jobs, consumismo e escravismo...


Essa história toda da morte recente do Steve Jobs tomou conta dos noticiários mundiais. Rock'in'Rio foi esquecido (graças a deus), Occupy Wall Street ficou de lado, mais uma vez, e não se falou em mais nada que não estivesse relacionado ao criador da gigante Apple. Eu sempre fui contra monopólios. Principalmente os midiáticos. Ainda mais os de notícias. Vi matérias que relacionavam o consumismo estimulado por Jobs com a maçã pecaminosa de Adão e Eva. Não que eu discorde. Pelo contrário, acho que ele pensava além da maçã, além de toda a sua representatividade e simbologia. Por isso mesmo a escolheu. Mas essa não é a questão. Também não digo que o "gênio" não carecesse de prestígio.
Porém, a mídia anda muito obsessiva. Antes mesmo que alguém morrer, biografias inteiras ficam registradas à deriva, esperando, quase que torcendo para que fulano passe dessa para melhor. Além disso, quando uma celebridade como Jobs sobe ao céu, reverenciam-na como se esta fosse uma pessoa perfeita, divina. Jobs não era perfeito, e sabia disso. Ele acertou muito com suas contribuições tecnológicas. Entretanto ele sabia o preço que a sociedade pagaria para chegar até aqui. 
Todos nós sabemos como funcionam os negócios. Vira e mexe sai um escândalo envolvendo grandes empresas ao escravismo asiático. Não são mentiras. Nunca foram, nós é que escolhemos esquecer ou mudar de assunto. É triste, mas 90% das coisas que temos são feitas por mão calejadas de chineses cansados, mal pagos e maltratados do outro lado do mundo (vide a sua localização geográfica). Não adianta lamentar, ou jurar nunca mais comprar na Zara. A Renner também importa da China, assim como a Apple.
O consumismo chegou à um patamar tão denso que não temos mais volta. O negócio é reaprender a viver dele sem ser tragado por ele. Precisamos da tecnologia, precisamos evoluir. Mas não podemos esquecer qual o motivo dessa evolução. Não estamos produzindo aparelhos completos e melhores apenas pelo desejo de um design bonito e robusto. Estamos em busca da melhoria do mundo. Não podemos parar o tempo para lamentar a morte do Steve Jobs e simplesmente ignorar que milhares de pessoas morrem de inanição todos os dias sem noção do que é um iPad.

Deixo aqui dois textos que falam sobre o assunto, textos que denotam duas linhas de pensamento diferentes. E um vídeo super famoso do Charlie Chaplin, para fazer pensar :)

Why We Mourn Steve Jobs - The Atlantic

The Dark Side of Steve Jobs's Dream - Time Magazine




O orgulho de ser mãe



          Esse texto poderia começar dizendo apenas que Régis Patrícia Vieira de Freitas Santos é dona de casa e mãe de um menino especial. Na verdade, essa poderia ser a história de muitas mulheres pelo mundo todo. O que faz de Patrícia – como gosta de ser chamada – uma mãe excepcional é sua disponibilidade de continuar sorrindo, mesmo quando o que a vida lhe oferece parece ser complicado.
Natural de Santa Cruz do Sul e nascida em 30 de dezembro de 1969, Patrícia tem o típico estereótipo alemão. É loira, tem olhos verdes, tem mão grandes e suas maçãs do rosto são sobressalentes.  Apesar disso, não herdou o costume de falar alto. Quando conversa, fala muito, mas sempre calmamente, respeitando a suavidade de cada palavra que transborda a sua boca.
Sua vida começou, realmente, quando se apaixonou pelo primo irmão Demétrius Vieira Santos. “A gente não convivia, até porque dizem que primos que convivem não se casam”, declara. Foi amor à primeira vista. Porém, não agradou a família. “A minha mãe foi contra, ela dizia que a gente nunca ia poder ter filhos”, Patrícia desabafa.
Como em todas as bonitas histórias de amor, à la Romeu e Julieta, o sonho dela era ser mãe. “Antes do casamento, a gente procurou um geneticista, porque eu estava muito preocupada com a perspectiva de nunca poder ter filhos”, conta. Segundo ela, a resposta do médico foi encorajadora: “Ele disse que qualquer um poderia ter uma criança com problemas, que era uma loteria.”
Em 1994, no calor de meados de dezembro, eles se casaram. Na época, ela tinha 25 anos. Em seguida, eles vieram tentar a vida na capital. Entretanto, a estadia não durou muito. Em 1997, fizeram as malas novamente e foram para Pelotas. “Foi uma época muito boa das nossas vidas. A gente colocou um barzinho no colégio Objetivo e começamos a criar raízes”, diz.
Ela já estava tentando engravidar havia um tempo. Mas essa preocupação foi deixada de lado no inverno de 1998, quando Demétrius baixou o hospital com problemas cardíacos. “Ele começou com uma dorzinha no peito, quando vi ele teve que fazer 3 pontes de safena”, explica Patrícia. Demétrius tinha apenas 33 anos na época e a recuperação não foi nada fácil.
Passado o susto e o longo tratamento, o casal decidiu retornar para Porto Alegre, decisão complicada para ela: “Eu adorava Pelotas, as pessoas de lá... Até hoje quando falo daquele tempo me dá vontade de chorar.” Eles retornaram porque os pais do Demétrius moram aqui e poderiam ajudar o casal com as questões financeiras.
Nesse meio tempo, Patrícia vinha travando uma longa batalha de gestações incompletas. Até tratamento in vitro ela tentou, mas nada parecia dar resultados. “A família toda se juntou para me ajudar. Eu já estava com 35 anos, aí pensei: nem vou mais ter filhos nessa idade”, fala.
Em depressão, Patrícia estava decidida a esquecer o assunto. Para se reerguer, ela buscou ajuda e iniciou um tratamento contra a depressão. “Eu comecei a terapia em junho, em agosto eu estava grávida”, esclarece. Foram 12 anos de tentativas frustradas.  “Atrasou a menstruação, eu fui e falei com a psicóloga do centro sobre isso. Ela me estimulou a ir fazer o exame”, diz. Patrícia estava receosa, pois, pela primeira vez, se deu conta de que tinha medo de ser mãe.
“Eu fui e fiz o exame no Hospital Mãe de Deus, meu marido até foi junto. Nós estávamos muito nervosos. O exame deu mil unidades positivas, só que a gente não entendeu o que queria dizer, aí eu saí e o Demétrius falou que a gente tinha que ir no médico. Mas eu estava muito ansiosa e saí em busca de um médico ali mesmo, para ver se poderia me dizer se eu estava grávida ou não”, narra. Naquele dia, Patrícia não descobriu que estava grávida, mas gravidíssima.
Ela chorava em prantos no corredor do hospital, para o desespero do marido que não só não entendia nada, como se recusava a acreditar. Daí para frente foi só felicidade. “Quando eu fiz a primeira eco, com dois meses, já deu para ver que seria um menino”, relata.
A gestação foi tranquila, Patrícia seguiu à risca tudo o que os médicos recomendaram. Fez todos os exames, mais de 10 ecografias. Indignada ela reclama: “Nunca apareceu nos exames que ele teria alguma coisa.” Raul veio ao mundo dia 25 de março de 2006, de cesária, algumas semanas antes do tempo. A família recebeu o menino com muito amor.
Ele foi considerado um bebê normal. Apesar de prematuro, nasceu com bom peso, boa altura. Patrícia estava eufórica com a nova experiência. No entanto, logo começaram os problemas. “Ele não mamava, não ganhava peso. Ele era muito molinho, não sentava. Eu me sentia muito mal, porque o pediatra dizia que a culpa era minha, que eu não estava fazendo o que deveria”, diz.
Quando Raul completou quatro meses, os médicos decidiram investigar mais a fundo a causa da falta de desenvolvimento. Foi numa tomografia que eles descobriram que a criança era portadora de uma síndrome, até hoje desconhecida pela comunidade científica. Então, quando parecia que o mundo ia abrir diante de seus pés, Patrícia correu atrás do tempo perdido e inscreveu seu filho em programas para habilitação de crianças especiais.
“É difícil, tem gente que pensa que é fácil, mas não é”, desabafa. O menino iniciou tratamento aos 5 meses. Desde então, Patrícia passa os dias levando ele para cima e para baixo, cuidando dele com muito carinho. Por isso, ela não pode mais voltar a trabalhar.
Quando Raul frequentava a Associação de Assistência a Criança Deficiente (AACD), as coisas eram um pouco mais simples. Patrícia explica o porquê: “É o melhor lugar que tem, nem em clínica privada tu consegues coisa melhor.” Mas o menino recebeu alta o que acarretou em uma comoção na família para garantir um plano de saúde para ele.
“A AACD é assim, a fila tem que andar. A pessoa que se reabilita rápido, logo ganha alta. As mães choram quando os filhos ganham alta, porque eles são obrigados a sair de lá e acabam perdendo a evolução do tratamento”, conta. O motivo da pressão na instituição é uma fila de 32 mil crianças esperando atendimento.
Os gastos com o Raul não são apenas de aprendizado e saúde. O menino necessita de alimentação especial para ganhar peso. Graças a força de vontade de Patrícia, eles recebem o leite por meio de um auxílio do governo. “Ele precisa de quatro copos por dia. São 40 reais uma lata e dura somente três dias”, esclarece.
No momento a família vive em um pequeno apartamento na zona Sul. “Ele dorme no quarto comigo e o pai dele dorme num colchonete no chão da sala”, conta. Eles gostariam de se mudar, entretanto o orçamento não permite.
Raul recentemente comemorou o quinto ano de vida. Risonho, o menino que antes não comia e só chorava já senta sozinho e dá altas gargalhadas assistindo DVDs de música infantil. “Ele é a alegria da vida da gente”, diz a mãe. Ele gosta de chamar a atenção e passa o tempo todo se comunicando com Patrícia com as poucas palavras que absorveu.
“Agora que ele sentou, a gente tem mais esperança de ele andar um dia. Meu marido estava até deprimido com fato de que ele não fosse andar. Mas isso depende também do que a gente faz por eles”, diz. “O Raul é uma escola de vida para mim”, completa.