quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

Identidade de viagem - PARTE 2

30 dias. Era cilada gente. Ao desembarcar aqui conheci o amor da minha vida. A convivência e a intolerância destruíram qualquer possibilidade de florescer esta paixão. Cometi uma série de erros comuns também, como acreditar e confiar numa pessoa que conheci ontem e não sei de onde vem, para onde vai. Normal, quando viajamos, os conceitos de tempo e laços são totalmente diferentes. Viver um dia pode ser muito mais intenso que viver um ano. Mas errar é humano, pena que não é muito perdoável. Também eu não soube perdoar, ainda. É incrível como nos magoamos e decepcionamos fácil e rapidamente com as pessoas. O bom disso tudo é que eu vejo que estou amadurecendo emocionalmente, finalmente, pois percebi que minha situação era absurda e soube sair no momento certo. Perdi um amor, uma amizade e alguns euros, mas saí com dignidade e não deixei de viver a minha vida por ninguém.

25 anos, não é idade pra ser mãe. Não foi isso que eu vim fazer na Europa. Uma coisa que nos escapa ao fazer intercâmbio é o que estamos de fato fazendo. Em parte pelo deslumbre da novidade, em parte porque simplesmente estamos ocupados aprendendo tudo, fazendo tudo e conhecendo tudo. No entanto, é importante sentar e refletir, de tempos em tempos (pode ser um exercício diário), quais os nossos reais objetivos, não só do intercâmbio, mas da vida daqui pra frente, já que este momento incerto pode mudá-la pra sempre. Quando me perguntam quanto tempo vou ficar em Lisboa, dou de ombros, não sei, a vida toda e eu pensava isso de Porto Alegre também.


Aí vem outra tarefa, desgarrar-se e aceitar que agora somos apenas nós duas, eu e minha consciência. Não é que não se possa ter alguém, claro que se pode e deve, mas este alguém (ou estes) vai surgir com o tempo, aos poucos, com as pequenas coisas, com conhecimento. Confiança é algo que só se dá assim, on daily basis, com provas cotidianas de que é possível entregar sua vida a alguém e vice-versa. E não estou falando de romance, não, minha gente. Isto vale para amizades também, vale para tudo. Até porque, e repito isso para mim mesma em alto e bom som todos os dias, não somos obrigados, NUNCA, a lidar com os problemas alheios. Não precisamos pagar pelos erros dos outros cometidos no passado. Por isso eu sei que ainda não estou pronta para encarar uma vida em família da noite para o dia, porque eu ainda não desejei isto e não me aconteceu por acidente. Eu soube me cuidar para chegar nos meus 25 anos e poder ser livre para viajar, tomar um porre, sair num dia de semana e ter um certo limite de irresponsabilidade que eu ainda considero natural ao meu ser.

Cada um com o seu dilema. Está aí um bom mantra. Não lidar com a merda alheia não quer dizer ser irracional ao ponto de desrespeitar os outros. Isso é outra coisa que estou aprendendo nesta viagem: respeito é mútuo e essencial entre culturas. Desde que cheguei já fui considerada muitas coisas ridículas porque sou diferente e venho de uma cultura way mais liberal. No início fui muito tolerante e compreensiva, afinal sou eu que estou invadindo estas terras. Mas aí me lembrei que respeito nem sempre quer dizer submissão. Não importa onde eu estiver, tem certas coisas que eu não vou e não quero nunca me calar diante, entre elas estão desrespeito com o corpo da mulher e violência contra crianças. Aliás, violência de uma maneira geral. Quando não existe respeito pela condição alheia, não existe relação bem-sucedida.

E o mais importante de tudo é viver as experiências, absorver o que houve de bom e exorcizar o mal porta a fora. Não existe depois pior que o antes, isto tem que ser inaceitável a toda a gente. Como dizia mamãe: "depois de cair, levanta, sacode a poeira e vamos embora!". E é bem isso, porque a vida não é o que nos resta, pelo contrário, a vida é uma excelente oportunidade de começar de novo a cada nascer e pôr do sol.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

Paranauês

Quando você pousa em terras lusitanas, sua vida corre o risco de se tornar um inferno da burocracia. Eu aprendi isso a duras penas, vivendo todas as experiências e fazendo para desfazer. Como sou uma pessoa legal, vou dividir com você algumas dicas importantes!

A primeira coisa que você tem que fazer ao chegar é o NIF, uma espécia de CPF. Como fazer? Muito simples, você pega seu passaporte/visto e convoca um português que more com você ou no mesmo bairro (isto é muito importante) e vai até uma Financeira. Fica pronto na hora, custa em torno de 10 euros. Vão dizer que você precisa de contrato de trabalho e mil documentos, mentira. Com o seu passaporte, e os documentos do português que resida com você (BI), fica pronto na hora. É apenas um papel com um número, mas o valor é inestimável, vão te pedir NIF para tudo.

Segundo passo é embarcar no metro (aqui eles pronunciam métro) e ir até a estação Marquês do Pombal (linhas azul e amarela) para fazer o cartão Viva. Com este cartão, você anda livremente no transporte público com uma carga de 35 euros/mês. Se você não fizer o cartão, vai pagar por trecho e gastará fácil 20 euros em 5 dias. Para o cartão, você precisa do papel que te dão na estação mesmo, duas fotos 3x4 e seu passaporte. Se tiveres o NIF, melhor, mas senão, não tem problema.

Depois disso, você precisa colocar seu PB4 em prática. Lembra dele? O seguro saúde que você tirou no Brasil para fazer o visto. Exatamente, ele não funciona aqui sem o Cartão Utente. Como fazer? Parte chata, o NIF tem que estar no seu endereço de residência, aí você junta todos os documentos que tem, todos mesmo, e vai no Centro de Saúde da sua freguesia. Eu moro na Ameixoeira, minha freguesia é a Santa Clara, mas meu Centro de Saúde é o Lumiar. Sim! Complicado, mas aqui vai um link que ajuda.

Feitos estes paranauês, hora de sair e tomar uma cerveja. Mas, e sempre tem um mas, cuidado com o que você fala, não esqueça que o português daqui é outra língua, então aqui vai uma lista de coisas que são importantes ter conhecimento:

1) NUNCA, em hipótese alguma diga "fazer um bico", bico = sexo oral.
2) Malhar quer dizer transar, aqui academia se chama ginásio e se treina. Em vez de musculação, eles "usam as máquinas".
3) Percebe quer dizer entende. Sempre vão te perguntar "percebes?"
4) Pica aqui não é pênis não! Pica é gíria para vontade, por exemplo, "que pica de ir ao shopping", sim, bizarríssimo.
5) Pila, a moeda gaúcha, aqui é pênis.
6) Sandes = sanduíche
7) Tudo em Portugal vem com café ou com sopa, sempre que perguntarem, diga sim, mas lembre-se de perguntar se está incluso no menu, ou vai tomar um susto com a conta
8) Eles usam mais "adoro-te" que "eu te amo"
9) Os nomes dos filmes são ditos em inglês
10) Puto é menino, ok, essa todo mundo sabe. Gajo(a) é gíria para guri(a). E, miúdo(a) é criança
11) O 6 eles dizem 6, não "meia". E as horas é em quartos, por exemplo, 19h45 é "um quarto para as 20h"
12) "Deitar fora" quer dizer jogar coisas no lixo
13) Prepare bem a mala de remédios, aqui corticoide e antibiótico só com receita médica LOCAL e a dipirona é proibida em território português, sim, chateadíssima
14) Sumo = suco ou refrigerante
15) Qualquer biboca aqui tem guaraná
16) O VTM (Visa Travel Money) não é aceito em qualquer lugar, aliás, é pouco aceito
17) Não existe telentrega de farmácia por aqui D:
18) Piada = graça, por exemplo, fazer algo engraçado tem piada, ou seja, tem graça... Sim, vá entender?
19) Para os alérgicos de plantão: gamba aqui é camarão!!!
20) No futebol, eles dizem penalt (pronuncia penááált) em vez de pênalti e dizem "fora da linha de jogo" para impedimento (não conhecem essa expressão)
21) Por mais gratuito que tenha sido seu PB4, qualquer coisa que acontecer com você, se você for parar no hospital, já marchará em 20 euros de consulta médica e todos os exames/medicamentos serão cobrados também. O interessante é que você não é obrigado a pagar na hora, pode escolher pagar numa data futura :)
22) Malta é a gíria para "gurizada" e eles têm até um drinking game com isso
23) Várias palavras aqui são femininas, ao contrário do Brasil, como a carne vazia (que equivale mais ao nosso patinho, mas é uma tentativa de vazio)
24) Eles dizem registar, em vez de registrar e eu sempre, SEMPRE rio incontrolavelmente :/
25) E, na minha opinião, a pior de todas, eles pensam MESMO que no Brasil a selva amazônica está por tudo, que é sempre quente e que há um risco iminente de ser metralhado por um motoqueiro ao andar na rua (?)

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

Identidade de viagem - PARTE 1

Fazer intercâmbio significa ir muito além da mudança física. Ao me inserir neste contexto, eu pude reparar como somos frágeis e influenciáveis seres humanos. Dias antes de viajar, uma viagem que ainda não tinha confirmações, pois meu visto estava sendo processado, até o último minuto, eu iniciei um processo espiritual de preparação para o embarque. Não, não é medo de avião. É que eu me dei conta, ao fazer as malas, que ir para outro país nos exige uma cultura, uma identidade local que será esperada com bastante expectativa do outro lado do mundo. Foi neste momento, que eu descobri que eu não tinha pátria, nunca fui brasileira, não tinha camiseta nem bandeira para ostentar meu nacionalismo, não tinha nada que representasse meu Estado, exceto por uma cuia de chimarrão.

Para construir-se é preciso matar-se sem morrer, e eu passei a última semana em crise existencial, jogando fora partes de uma personagem, que sai de cena, e adquirindo peças para montar uma nova pessoa. Não é tarefa simples, principalmente quando somos conscientes do feito. Viajar é mudar a cada segundo, é levar o mundo nas costas, estar no ponto de chegada e perceber que não se é mais dono de nada e que por alguns dias você não existe em cadastro ou sistema nenhum. É não ter com quem chorar e rir, é saber que há um vazio, mas um vazio proposital para que novas memórias e laços de afeto sejam criados.

A saída é um desprendimento que se dá aos pouco, cada documento feito, cada coisa que vai encontrando seu lugar e significando mais um dia riscado no calendário. São dias sem dormir e preocupações com as coisas mais inúteis. Chegar também não é fácil. Há uma nova família te esperando, de amigos, de relações ainda frescas e por moldar. Eu cheguei em uma casa onde tudo literalmente está por ser construído, da cama aos laços, tudo precisa de muito trabalho. Essas coisas dão vontade de desistir, até que você a oportunidade que a vida te da de usar isso em benefício próprio. Afinal, fazendo que se aprende.

Como lidar com aquela sensação de não pertencer quando você pisa num país xenofóbico e em forte crise econômica e sente que é aqui que você deve passar o resto da vida? Ainda não sei ao certo. Apesar da construção gaúcho-brasileira, me sinto mais europeia cada dia que passa. Defendo esta terra como meu lar, mesmo ainda não tendo estabelecido isto aqui. Há saudades, mas também existe uma nostalgia do que eu ainda nem vivi aqui.

Não posso negar, tive sorte. Encontrei amor em terras lusitanas, ou quase isso. Não importa onde a gente vá, sempre buscamos algo ou alguém que nos dê força para seguir em frente e levantar da cama todos os dias. E eu tinha esquecido como podia mesmo ser boa essa letargia da paixão. Como amar pode nos fazer bem, se a gente deixar o medo de lado. Tarefa difícil a parte, quando a gente consegue, tudo fica mais bonito, mais leve, mais fácil. E é isso aí, minha gente, agora é só sorrisos.