quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Sobre como me tornei uma "sexista intolerante"

Estava a toa na vida quando realizei que havia me tornado uma "sexista intolerante". Das piores, porque me depilo, porque uso batom. Tenho 24 anos, uma graduação, estou finalizando um mestrado e sou bem-sucedida em termos de carreira. Meu problema? Nenhum, do meu ponto de vista. Para os outros, eu deveria estar namorando, casando, tendo filhos. Não estou, não porque não quero, mas porque simplesmente isto não vai acontecer para mim e cada vez mais eu compreendo isso. O motivo? Meu "sexismo intolerante".

Não é de hoje que tenho "dedo podre" para homem e tendência em repetir padrões (recomendo a leitura deste texto do Ivan Martins sobre o assunto). Mas antes eu aceitava isso e sobrevivia. Agora, eu simplesmente não consigo mais. Levar uma relação adiante? Um sacrifício! Os caras só querem saber de amor livre e pegar geral. Não tenho nada contra, acho bonito, porém não é o que eu preciso. Abre parênteses aqui: preciso e, não, quero, porque a gente sabe, quando se conhece, que tipo de amor serve pra si.

Pois então, não é que eu esteja cansada das festas ou da vida noturna. Não é que eu ache ficar por ficar ruim ou sexo banal. Todos precisamos destas coisas em algum ponto da vida e não vamos cuspir nos pratos que nos serviram e servem tão bem. É que eu não entendo mais como podem as pessoas se tratarem só e sempre como objetos o tempo todo e nunca quererem alguém pra si (quantos advérbios!).

Eu já fiz mil textos neste blog sobre o amor, não vou entrar no mérito disto agora. Estou claramente em depressão nos últimos meses, sei do fato e venho buscando alternativas contra isto. No entanto, tenho ouvido cada uma dos homens que venho saindo que não tem como não piorar, como desacreditar nesta vida de "casada, com filhos e família". Cada vez me vejo mais solteira e menos tolerante a ficar com alguém (seja por uma noite, seja pra eternidade).

E, pasmem, tenho saído com intelectuais, homens estudados, que se dizem até feministas. Mesmo assim, eles têm a indecência e a cara de pau de comparar mulher a frango e dizer que não conseguem ficar sem "comer mais de um por vez". Sim, vou pagar meus pecados com este texto, mas é chegada a hora de por pra fora o que eu estou sentindo.

Eu sou uma vítima de abuso sexual. Eu nunca comento isso, raras exceções. Não por vergonha, apesar de já ter sido inúmeras vezes ridicularizada. Simplesmente porque eu vivo numa paranoia de que nunca vão acreditar em mim ou vão esperar que eu seja uma pessoa com uma certa postura de vida que eu não represento.

Eu tenho marcas (virtuais) que são pra vida toda, não tem terapia ou remédio que cure ou amenize esse sofrimento, o que torna ainda mais difícil a minha tolerância ao sexo oposto. Mesmo assim, eu faço um esforço para participar. Abre o segundo parênteses aqui: um dos motivos pelos quais estou falando tudo isso publicamente é porque me identifiquei com um personagem de um livro, o Charlie, do The Perks of Being a Wallflower (Stephen Chbosky). A obra é de 1999 e conta a história de um adolescente no início dos anos 1990 tentando sobreviver esta fase da vida. Ele fala muito em "participar" e não apenas observar "what's going on".

Eu sempre fui agitada e muito extrovertida, só que, agora, eu percebo que eu participo muito pouco. Estou na esquina, assistindo e não faço questão de me envolver. Hoje em dia, menos ainda. Me envolver pra quê? Pra ser comparada a uma coxinha? Já é duro que, para conseguir conquistar o olhar de alguém, eu preciso me submeter a uma ditadura da moda, eu preciso ser "bonita" e eu preciso sofrer com isso. Eu quero parar de me expor.

E como participar sem se expor? Como conquistar um futuro que eu possa me orgulhar de ser assim?
Dizem que eu preciso me valorizar. Me dizem coisas do tipo: "você está certa, não tem que tolerar mesmo, tem mais que bloquear." E assim eu vou, bloqueando uma vasta lista de ex-alguma-coisa-que-poderia-ter-sido. Ou apenas esquecendo, deixando de lado, vendo de vez em quando. Ou pior, arranjo um novo caso para me distrair. E na minha triste visão de "sexista intolerante", nenhum presta, nenhum nunca vai prestar, "são todos iguais".

Como acreditar? Como ter esperança? Eu estou numa busca constante de sentir, sentir qualquer coisa, para ter certeza de que não estou observando, que saí da esquina. Não é coisa do meu tempo, eu sei, eu deveria ser a favor do amor livre e estar pegando geral e achando tudo isso lindo. Só que alguém esqueceu de me explicar como se anulam certas coisas no caminho, o que se faz com o apego? Eu até confesso que pratico o desapego, depois que está tudo acabado. E é incrível o número de relacionamentos que eu acabo antes de começar.

Sabem, acho que o texto em si não é nem um desabafo, é mais um pedido de ajuda, um desespero de achar alguém que se sinta assim, que tenha uma fórmula mágica para mudar tudo. Sim, sou grandinha e sei que não existe tal coisa. Existe apenas o seguir vivendo e aprendendo e errando e se ferrando (para não dizer mais feio).
Ninguém percebeu como a rapariga escapava dos seus afazeres, nuns minutos de cada vez, para se ir insinuar ao rapaz com um amor baralhado, magoado, encurralado, sem ter mais para onde ir. E o rapaz reiterava o desprezo. Já não a queria. Dizia que ela o traíra acusando-o aos seus pais. Já não a queria. Dizia que ela era feia, que entretanto estava com dezoito anos de velha e que as raparigas mais livres começavam a aparecer pela praça ele ia lá colhê-las como das árvores. É só pegar e deitar-lhes a boca, porque foram feitas para os rapazes. As raparigas fora feitas para os rapazes, dizia ele mil vezes. A Isaura, crescendo toda, dava-lhe tudo se ele quisesse. Mas ele pensava que ela era um problema. Pensava que, afinal, não queria comprometer-se tão novo porque as raparigas livres abundavam e ele queria abundar na sorte de as ter por perto. [...] Ela entristecia de tal modo, e tanto se mostrava de vítima, que achava poder apelar a alguma piedade do rapaz. Ele, por outro lado, achava mais e mais que a Isaura era uma coitada, e que já era sorte que ele a usasse para o prazer. Porque usá-la assim já era dar-lhe o amor a que ela tinha direito. O único amor que teria direito. O amor dos infelizes. 
Valter Hugo Mãe, O filho de mil homens, páginas 48-49.