Esse texto
poderia começar dizendo apenas que Régis Patrícia Vieira de Freitas Santos é
dona de casa e mãe de um menino especial. Na verdade, essa poderia ser a
história de muitas mulheres pelo mundo todo. O que faz de Patrícia – como gosta
de ser chamada – uma mãe excepcional é sua disponibilidade de continuar
sorrindo, mesmo quando o que a vida lhe oferece parece ser complicado.
Natural de
Santa Cruz do Sul e nascida em 30 de dezembro de 1969, Patrícia tem o típico
estereótipo alemão. É loira, tem olhos verdes, tem mão grandes e suas maçãs do
rosto são sobressalentes. Apesar disso,
não herdou o costume de falar alto. Quando conversa, fala muito, mas sempre
calmamente, respeitando a suavidade de cada palavra que transborda a sua boca.
Sua vida
começou, realmente, quando se apaixonou pelo primo irmão Demétrius Vieira
Santos. “A gente não convivia, até porque dizem que primos que convivem não se
casam”, declara. Foi amor à primeira vista. Porém, não agradou a família. “A
minha mãe foi contra, ela dizia que a gente nunca ia poder ter filhos”,
Patrícia desabafa.
Como em todas
as bonitas histórias de amor, à la Romeu
e Julieta, o sonho dela era ser mãe. “Antes do casamento, a gente procurou
um geneticista, porque eu estava muito preocupada com a perspectiva de nunca
poder ter filhos”, conta. Segundo ela, a resposta do médico foi encorajadora:
“Ele disse que qualquer um poderia ter uma criança com problemas, que era uma
loteria.”
Em 1994, no
calor de meados de dezembro, eles se casaram. Na época, ela tinha 25 anos. Em
seguida, eles vieram tentar a vida na capital. Entretanto, a estadia não durou
muito. Em 1997, fizeram as malas novamente e foram para Pelotas. “Foi uma época
muito boa das nossas vidas. A gente colocou um barzinho no colégio Objetivo e
começamos a criar raízes”, diz.
Ela já estava
tentando engravidar havia um tempo. Mas essa preocupação foi deixada de lado no
inverno de 1998, quando Demétrius baixou o hospital com problemas cardíacos.
“Ele começou com uma dorzinha no peito, quando vi ele teve que fazer 3 pontes
de safena”, explica Patrícia. Demétrius tinha apenas 33 anos na época e a recuperação
não foi nada fácil.
Passado o susto
e o longo tratamento, o casal decidiu retornar para Porto Alegre, decisão complicada
para ela: “Eu adorava Pelotas, as pessoas de lá... Até hoje quando falo daquele
tempo me dá vontade de chorar.” Eles retornaram porque os pais do Demétrius
moram aqui e poderiam ajudar o casal com as questões financeiras.
Nesse meio
tempo, Patrícia vinha travando uma longa batalha de gestações incompletas. Até
tratamento in vitro ela tentou, mas
nada parecia dar resultados. “A família toda se juntou para me ajudar. Eu já
estava com 35 anos, aí pensei: nem vou mais ter filhos nessa idade”, fala.
Em depressão,
Patrícia estava decidida a esquecer o assunto. Para se reerguer, ela buscou
ajuda e iniciou um tratamento contra a depressão. “Eu comecei a terapia em
junho, em agosto eu estava grávida”, esclarece. Foram 12 anos de tentativas
frustradas. “Atrasou a menstruação, eu
fui e falei com a psicóloga do centro sobre isso. Ela me estimulou a ir fazer o
exame”, diz. Patrícia estava receosa, pois, pela primeira vez, se deu conta de
que tinha medo de ser mãe.
“Eu fui e fiz o
exame no Hospital Mãe de Deus, meu marido até foi junto. Nós estávamos muito
nervosos. O exame deu mil unidades positivas, só que a gente não entendeu o que
queria dizer, aí eu saí e o Demétrius falou que a gente tinha que ir no médico.
Mas eu estava muito ansiosa e saí em busca de um médico ali mesmo, para ver se
poderia me dizer se eu estava grávida ou não”, narra. Naquele dia, Patrícia não
descobriu que estava grávida, mas gravidíssima.
Ela chorava em
prantos no corredor do hospital, para o desespero do marido que não só não
entendia nada, como se recusava a acreditar. Daí para frente foi só felicidade.
“Quando eu fiz a primeira eco, com dois meses, já deu para ver que seria um
menino”, relata.
A gestação foi
tranquila, Patrícia seguiu à risca tudo o que os médicos recomendaram. Fez
todos os exames, mais de 10 ecografias. Indignada ela reclama: “Nunca apareceu
nos exames que ele teria alguma coisa.” Raul veio ao mundo dia 25 de março de
2006, de cesária, algumas semanas antes do tempo. A família recebeu o menino
com muito amor.
Ele foi
considerado um bebê normal. Apesar de prematuro, nasceu com bom peso, boa
altura. Patrícia estava eufórica com a nova experiência. No entanto, logo
começaram os problemas. “Ele não mamava, não ganhava peso. Ele era muito
molinho, não sentava. Eu me sentia muito mal, porque o pediatra dizia que a
culpa era minha, que eu não estava fazendo o que deveria”, diz.
Quando Raul
completou quatro meses, os médicos decidiram investigar mais a fundo a causa da
falta de desenvolvimento. Foi numa tomografia que eles descobriram que a
criança era portadora de uma síndrome, até hoje desconhecida pela comunidade
científica. Então, quando parecia que o mundo ia abrir diante de seus pés,
Patrícia correu atrás do tempo perdido e inscreveu seu filho em programas para
habilitação de crianças especiais.
“É difícil, tem
gente que pensa que é fácil, mas não é”, desabafa. O menino iniciou tratamento
aos 5 meses. Desde então, Patrícia passa os dias levando ele para cima e para
baixo, cuidando dele com muito carinho. Por isso, ela não pode mais voltar a
trabalhar.
Quando Raul
frequentava a Associação de Assistência a Criança Deficiente (AACD), as coisas eram um
pouco mais simples. Patrícia explica o porquê: “É o melhor lugar que tem,
nem em clínica privada tu consegues coisa melhor.” Mas o menino recebeu alta o
que acarretou em uma comoção na família para garantir um plano de saúde para
ele.
“A AACD é
assim, a fila tem que andar. A pessoa que se reabilita rápido, logo ganha alta.
As mães choram quando os filhos ganham alta, porque eles são obrigados a sair
de lá e acabam perdendo a evolução do tratamento”, conta. O motivo da pressão
na instituição é uma fila de 32 mil crianças esperando atendimento.
Os gastos com o
Raul não são apenas de aprendizado e saúde. O menino necessita de alimentação
especial para ganhar peso. Graças a força de vontade de Patrícia, eles recebem
o leite por meio de um auxílio do governo. “Ele precisa de quatro copos por
dia. São 40 reais uma lata e dura somente três dias”, esclarece.
No momento a
família vive em um pequeno apartamento na zona Sul. “Ele dorme no quarto comigo
e o pai dele dorme num colchonete no chão da sala”, conta. Eles gostariam de se
mudar, entretanto o orçamento não permite.
Raul
recentemente comemorou o quinto ano de vida. Risonho, o menino que antes não
comia e só chorava já senta sozinho e dá altas gargalhadas assistindo DVDs de
música infantil. “Ele é a alegria da vida da gente”, diz a mãe. Ele gosta de
chamar a atenção e passa o tempo todo se comunicando com Patrícia com as poucas
palavras que absorveu.
“Agora que ele
sentou, a gente tem mais esperança de ele andar um dia. Meu marido estava até
deprimido com fato de que ele não fosse andar. Mas isso depende também do que a
gente faz por eles”, diz. “O Raul é uma escola de vida para mim”, completa.
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