quarta-feira, 14 de novembro de 2007

A arte sem antagonismos

A cultura ganha forma em exposições artísticas de Porto Alegre. Bienal do MERCOSUL e Bienal B: a arte na rua e a rua na arte.

Os dois pontos de interrogação representam a inevitável reflexão em um espaço com diversidade expressiva e cultural. Essa é a cara da 6ª. Bienal do Mercosul que, sob o tema “A Terceira Margem do Rio”, inspirado em um conto de João Guimarães Rosa, invade as conversas informais, estampa pilhas de jornais e orgulha Porto Alegre por ser a capital-sede de um evento artístico como esse.
O espaço para tanta variedade, no entanto, se tornou pouco. Entre artistas plásticos renomados e a Feira do Livro, criou-se também a Bienal B: mais um lugar de expressão independente e alternativa. Exposição onde conceitos urbanos, acadêmicos e visões diferenciadas interagem entre si.
Bienais misturam-se pela cidade espalhando cultura e diversidade para todos. Explorando o imaginário popular, as obras eliminam a característica tradicionalista. Agora contam com vídeos, colagens e muita criatividade. Uma verdadeira atração para os olhares dos passantes.
Os museus e o Cais do Porto são apenas alguns dos lugares onde a arte está presente. As ruas também se tornaram grandes galerias artísticas, fomentando o turismo para a capital do Rio Grande do Sul.

Bienal B: o reflexo urbano
Por Bruna Scirea

Spray nas mãos. O colorido diante dos olhos. A arte surge como expressão dos anos de internet, de publicidade e da falta de tempo. Sua visualidade é rápida, de fácil acesso e, por muitas vezes, de opiniões divergentes. A arte urbana convida o jovem a um mergulho no conhecimento estético. Ela seduz e simpatiza a nova geração.

Espaços de exibição não faltam: a Bienal B se concretiza como uma grande incentivadora da produção artística informal. O cotidiano e os símbolos das ruas invadem centros culturais, shoppings, lugares noturnos e até mesmo o aeroporto de Porto Alegre. Seu objetivo é somar, ampliar e conceder espaços para mais artistas e reflexões: uma manifestação artística independente e paralela à Bienal do Mercosul.
“Na arte existem muitos estilos e categorias. A arte de uma Bienal do Mercosul, por exemplo, tem uma tendência de mostrar trabalhos com propostas mais complexas, cuja apreciação e reflexões envolvem uma dinâmica mais degustativa, requerendo muitas vezes uma disponibilidade de tempo e experiência que a maioria do público não está acostumada”. É partindo deste ponto que a articuladora geral, e uma das criadoras da Bienal B, Gaby Benedyct, de 37 anos, argumenta a importância da exposição: um acréscimo de cultura aos olhos dos transeuntes.
O stencil e o grafitti são os principais representantes desta arte. O Stencil Art surge na década de 30, dentro das correntes modernistas da Ècole de Paris. Hoje, com seus sprays e moldes, preenche as ruas das grandes cidades, representando o prazer jovial em se fazer entender – uma brincadeira quase infantil dentro da aridez urbana. Para o grafitti é necessário, além do spray, firmeza no pulso. Os desenhos saem da fugacidade das idéias para se consolidarem no concreto.
Dentro da Bienal B, os muros são representados nas paredes de lugares como o Beco Cultural e o Mundo Arte Global. Nas palavras da articuladora geral: “Os trabalhos elaborados convivem harmonicamente com iniciantes. Não há editais ou críticas tendenciosas, a curadoria é o próprio olhar do observador e seu grau pessoal de interesse, conhecimento de arte e sensibilidade. De certa forma, estes conceitos de diversidade e disponibilidade para o espectador foram usados na construção dos parâmetros da Bienal B, pois são significativos pra gerar pontes entre a arte e o interesse sensível do público”.
Por ser uma expressão escancarada e, em grande parte, com uma conotação crítica, é considerada por muitos como vandalismo, associado ao picho. Para Leonardo Menna Barreto Gomes, professor de Estética e História da Arte na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), stencil e grafitti são formas de expressão artística de cunho popular, tão válidas como aquelas manifestadas no artesanato de rua, nas cerâmicas nordestinas ou literatura de cordel, por exemplo. O mestre em comunicação social complementa: “Os suportes que utilizam, como muros e paredes, fazem a diferença. O vandalismo aparece apenas no chamado picho, que atinge também monumentos. Como expressão de arte popular, o stencil e o grafitti, nascidos nas ruas, para apreciação urbana, em meu ponto de vista, perderiam sua autenticidade num evento de cunho ordenado e didático, como a Bienal do Mercosul. As imagens poderiam ser expostas, isoladas, ou em instalações, como obras, mas perderiam seu caráter espontânea, tipicamente de rua”.
O espaço artístico gaúcho se estende. A capital ganha notoriedade quando a questão é cultura: em ruas que abrigam livros clássicos e artes reconhecidas, há também lugar para as diversidades e novidades plásticas. A expressão das ruas exclui a visão da cidade como uma “caixa de Pandora” de aparente inocência e beleza, escondendo a fonte de calamidades que é. Mostrar o oposto, o desgaste, a sujeira e o desprestígio urbano é o objetivo dessa arte que além de em muros, deixa suas marcas nos cercos internos, como as paredes da Bienal B.


Uma nova forma de questionar
Por Deborah Cattani

O tema da 6ª Bienal do Mercosul deste ano resume a idéia central das obras expostas nesta, arte sem antagonismos. Nas obras encontradas pelo Cais do Porto ou pelos museus, Santander Cultural e Museu de Arte do Rio Grande do Sul (MARGS), as cores e as novas formas tem uma função muito maior do que apenas espalhar arte, o objetivo destas é causar a reflexão.
Baseado na história “A Terceira Margem do Rio”, de Guimarães Rosa, onde o personagem central abandona as margens de um rio para viver em um barco estacionado sobre este, o tema da bienal é bastante sugestivo e representa um terceiro olhar que serve de intermediário entre as duas oposições que se conhece. Questionar o que é arte se tornou a terceira margem do rio.
Mas esta é uma pergunta realmente indiscutível, “O que entendo por arte é muito chato de responder. Na verdade não sei ainda. Muito complexo. [...] Esta reflexão, acho eu, os Dadaísta, (grupo alemão) procuraram causar logo depois da segunda guerra quando ninguém mais se interessava por arte.”, diz a artista plástica Lenice Weis em entrevista.
A busca por um novo olhar e uma nova opinião sobre o assunto é a principal característica da estética criativa criada nesta bienal.
O próprio símbolo da bienal está relacionado com essa reflexão retórica, criado na bienal anterior sobre o tema “A Arte Não Responde, Ela Pergunta”, é formado por dois pontos de interrogação, um para cima e outro para baixo, representando o Brasil e os paises de língua espanhola presentes no MERCOSUL, uma vez que em espanhol se utiliza a interrogação invertida.
Quem decide agora o que é belo ou feio são os próprios espectadores que ficam pasmos diante de obras como Noturno, de Jorge Macchi, onde pregos substituem notas em uma partitura suspensa numa parede do Santander Cultural, parte da Exposição Monográfica.
As exposições estão dividias em quatro partes nomeadas: Monográfica, Conversas, Três Fronteiras e Zona Franca. Cada uma das quatro tem uma temática diferente, mas todas estão interligadas de alguma maneira.
A Monográfica refere-se especificamente as obras de três artistas: Francisco Matto, Jorge Macchi e Öyvind Fahlström; “Conversas oferece um lugar privilegiado ao próprio artista, reconhecendo que cada artista habita um complexo mundo de referências e influências que transcendem fronteiras nacionais [...].”, segundo o site da 6ª Bienal do MERCOSUL, www.bienalmercosul.art.br; Três Fronteiras marca um encontro de Brasil, Argentina e Paraguai no mundo estético contendo artista como A-1 53167, Daniel Bozhkov, Jaime Gili e Minerva Cuevas; e Zona Franca se baseia no cenário internacional, onde os artista visam responder a seguinte pergunta: “o que aconteceria se a equipe de curadores pudesse escolher, sem condicionamentos, projetos internacionais considerados de maior relevância no cenário global?”.
Entre tantos cenários que misturam diferentes culturas, tanto de nível nacional como internacional, a bienal que penetra no cotidiano dos habitantes e turistas da cidade de Porto Alegre traz divergências para causar polêmica. Sem culpa, essa é a maior proposta dos criadores do evento, que este ano está voltado para a construção cultural dos indivíduos.
Segundo Arlindo Silva Correa, 42 anos, médico, a bienal “está cada vez mais tecnológica e tendendo a ampliar as formas de fazer arte”. Para ele, todos os formatos são válidos e dignos de exposição, “a arte é uma forma de expressão do indivíduo, onde somente o artista pode mostrar o que está sentindo”, diz o médico que visitou mais de uma vez os armazéns do Cais do Porto.
A bienal tem se mostrado mais interessada no público e em como atingi-lo. As formas são diversas, as obras tornaram-se interativas e a preocupação com a natureza deu espaço para o uso de materiais reciclados. Além disso, a bienal inspirou-se em movimentos modernistas, ressuscitando o construtivismo russo e as formas geométricas cubistas.

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