quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

O MENINO, O AMIGO, O HOMEM...

TRABALHO PARA A DISCIPLINA DE REAÇÃO EM JORNAL - PERFIL DO PERSONAGEM NICK CARRAWAY DO LIVRO "O GRANDE GATSBY"

Era verão e fazia muito calor em Minnesota, Estado Unidos. A tarde quente derretia a tinta das pequenas cercas de madeira. Os animais se refugiavam em qualquer nesga de sombra. Rompendo o silêncio do faroeste americano, nascia Nicholas Carraway, no primeiro dia de julho de 1892. Um bebê normal, olhos escuros, pouco cabelo. Logo aquietou-se e dormiu um longo sono.

Durante a infância, Nick – como era carinhosamente chamado por sua família – foi o tipo de criança que não costuma cultivar amigos. Preferia ficar entre os mais velhos, ouvindo anedotas e histórias antigas. Sempre foi observador, gostava de analisar o comportamento dos adultos, reservadamente. Segundo ele, é por isso que se tornou um homem honesto.

– Em meus anos mais juvenis e vulneráveis, meu pai me deu um conselho que jamais esqueci: “sempre que tiver vontade de criticar alguém, lembre-se de que criatura alguma neste mundo teve as vantagens de que você desfrutou”. – suspirou o velho com o peso dos seus 118 anos.

Depois de se graduar em New Heaven, Nick foi mandado para a França, lutar na Primeira Guerra Mundial, em 1917. Não foi um soldado exemplar. É um homem de poucas palavras, mas um conciliador. Não admira a violência como os rapazes de seu tempo.


– Participei daquela retardada migração teutônica conhecida como a Grande Guerra. – ele fala com certa ironia, coçando o queixo – Apreciei tão vivamente aquela contra-incursão, que voltei para casa irrequieto.

No entanto, foi esse retorno que mudou sua vida. Ao chegar, decidiu ir a New York, para aprender sobre o mercado de títulos. Na época, o assunto era a última moda, e um dos melhores jeitos de se ganhar dinheiro sem burlar as leis. Nick admite, relutantemente, ter essa mania de querer fazer o que os outros estão fazendo.

Quando o calor do verão se aproximava, ele já estava cansado da cidade grande e resolveu alugar uma casa simples no leste de Long Island. O sol brilhava alto naqueles dias de 1922. O extenso tapete de grama verde e fresca se estendia ao longo da praia. Ao lado da casa de Nick, morava Jay Gatsby, um alemão misterioso e anfitrião de muitas festas absurdas. Os boatos a respeito do sujeito envolviam desde roubo e desvio de dinheiro até assassinato.

As noites eram regadas a bebidas caras e muito jazz. Os convidados iam e viam com suas roupas que mais pareciam fantasias de carnaval. Sozinho em sua varanda, Nick acompanhava o movimento na casa vizinha de soslaio, fumando seu último cigarro do dia. Repudiava tamanhas futilidades pertencentes à high society. Perguntado sobre Gatsby, ele brada com certo rancor e até um leve tom de inveja:


– Se a personalidade consiste numa série ininterrupta de gestos bem sucedidos, então é certo que havia nele algo magnífico, uma apurada sensibilidade para as promessas da vida, como se ele tivesse alguma relação com esses intricados maquinismos que registram terremotos ocorridos a dez mil milhas de distância.

Entretanto, Nick e Gatsby desfrutaram de uma amizade permeada de segundas intenções. Enquanto Nick se esbaldava com as orgias produzidas pelo nouveau riche, Gatsby usou-o para reencontrar o amor de sua vida: Daisy. Ela não era uma jovem americana qualquer, era prima de Nick e esposa de Tom Buchanan, um primata cheio de dinheiro com o caráter de um garotinho mimado de 10 anos de idade.

Cerca de uma década antes daquele mormaço intenso de Est Egg, Gatsby e Daisy tinham se apaixonado loucamente. Todavia, ele teve de ir para a Europa. Ela prometera esperar, mesmo sendo o amor um caso mal visto pela família. O tempo passou e eles perderam contato. Quando Gatsby retornou, quis reaver sua amada com a ajuda de Nick.

Naquela época, a melhor amiga de Daisy, Jordan andava atrás de Nick como uma mosca as voltas de um doce. Apesar de sua falta de maturidade e comportamento rebelde, ele apreciava as tardes ao lado da moça, que era golfista profissional.


– De repente, já não estava mais pensando em Daisy nem em Gatsby, mas naquela cara, sólida, limitada criatura, que se entregava a um ceticismo universal, e que se acomodara agilmente bem dentro do círculo do meu braço. – Nick ergueu os braços rugosos e formou uma roda com eles na frente de sua barriga. – Uma frase começou a martelar-me os ouvidos, como uma espécie de persistente excitação: “existem apenas os perseguidos, os que perseguem, os ativos e os fatigados”.

Não muito tarde naquele ano, Nick voltaria a pensar em Gatsby. A tarde insossa em que Jordan, Tom, Daisy, Gatsby e ele resolveram ir a New York para aliviar o desânimo, lhe nubla a memória até hoje. O capricho de Daisy em voltar dirigindo o carro do milionário tirou a vida da senhora Wilson, amante de Tom. Ávido, limpando a testa com um lenço, Nick confessa:


– Ocorreu-me, então, algo. Suponhamos que Tom descobrisse que era Daisy quem estava guiando... Ele poderia supor que houvesse uma ligação em tudo aquilo... Poderia supor tudo.

Entretanto, Tom lavou suas mãos ao conectar os fatos: em vez de vingar a morte da amante, contou ao marido dela que Gatsby a havia matado. Wilson, em estado de choque, não pensou duas vezes antes de atirar no alemão.

Depois daquele ano, Nick não foi mais o mesmo. Voltou para West Egg e ignorou o assunto por muito tempo. Ele pensa que poderia ter evitado a série de incidentes daquele verão. A culpa vem matando Nick aos poucos. Agora lhe restam apenas o silêncio dos campos cobertos de folhas secas do outono e as memórias de sua juventude agitada.