O homem tem uma tendência em se interessar pelo sofrimento alheio. Além disso, é da natureza humana criar guerras e conflitos. Ao longo da história, a única mudança é que essas guerras deixaram de ser tão esporádicas e passaram a ser encobertas, mascaradas e justificadas da melhor maneira possível. Em Hiroshima não foi diferente. Quantas pessoas tomaram conhecimento dos verdadeiros efeitos da bomba atômica antes e depois de sua execução no Japão? Qual a justificativa para matar por décadas tantos civis desinteressados no que se passava no mundo?
A resposta para todas essas perguntas vem a tona na fala de seis sobreviventes da Bomba A, como era chamada, um ano após a tragédia através de um jornalista obstinado a contar nos mínimos detalhes o que realmente aconteceu. Foi assim que John Hersey comoveu o mundo pela revista The New Yorker não somente como relatos de uma história, mas também com o sentimento dessas pessoas que apesar de perderem tudo continuaram vivendo e encontraram forças para seguir em frente sem ressentimentos. A revista acabou por dedicar uma edição inteira à primeira parte da reportagem de Hersey, que foi lançada dias depois do primeiro aniversário da explosão e se esgotou feito água nas bancas.
Considerada uma das mais importantes e notáveis matérias do século XX, Hiroshima (Companhia das Letras) junta a primeira visita do jornalista ao local do fato, um ano após a explosão, e seu retorno 40 anos depois, em um livro, para mostrar como a vida dos seis hibakushas (palavra japonesa que designa os sobreviventes da Bomba A) se desenvolveu. Apesar da relevância, o livro é de um conteúdo forte, o que o torna sensacional e repulsivo ao mesmo tempo: "Muitos estavam nus ou envoltos em farrapos. Em alguns corpos despidos as queimaduras acompanhavam o contorno das camisetas e suspensórios e, na pele de algumas mulheres, o das flores dos quimonos (o branco repeliu o calor da bomba, enquanto as roupas escuras o absorveram e o conduziram para a pele). Muitos feridos apoiavam parentes que se achavam em condições piores. Quase todos caminhavam de cabeça baixa, olhando para a frente, em silêncio, absolutamente inexpressivos".
A Segunda Guerra é um elemento pouco mencionado na parte inicial. O foco se dá nas pessoas, o que humaniza mais o relato. Nos 40 anos depois, Hersey se concentra na questão dos testes com as bombas, que tiveram continuidade até meados dos anos 70; no presidente Harry Truman que não se desculpou ou mostrou um sinal sequer de arrependimento por autorizar o lançamento do projétil; e, é claro, na falta de ressentimento e expressividade do povo japonês. Um livro que poderia fazer parte da literatura e formação de todos os seres humanos, só faz provar como somos incapazes de nos sensibilizarmos e solidarizarmos com atos monstruosos como esse.
Por Deborah Cattani
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