sábado, 12 de fevereiro de 2011

O valor do silêncio

Tem coisas que no Brasil não dão certo. A Lei do Silêncio (Lei número 126, de 10 de maio de 1977) é uma delas. Vira e mexe, passa um carro na rua com um batidão a todo volume. Ou algum vizinho prende o cachorrinho e sai para viajar deixando seu bicho de estimação latindo desesperadamente. As pessoas reclamam entre si, pois desconhecem a lei que lhes permite chamar a intervenção das autoridades. Mas, esses são exemplos lights, corriqueiros.
O problema, mesmo, está quando o nosso precioso sono é violado por um funk de péssima qualidade às 2h da manhã, vindo de um carro de som a 100 metros de distância. Nem precisa ser matemático para saber que isso extrapola os 85 decibéis permitidos pela legislação.
Nessa hora, você já, obviamente, perdeu o sono. O bebê do seu vizinho já acordou e está chorando. Você já abriu a janela e mandou a cambada de delinquentes para aquele lugar. Você já fechou a janela, tomou leitinho, se virou, colocou algodão no ouvido. Nada adianta. Então, se dá o estopim, você liga para a polícia. São 3h da manhã e, após longas tentativas de contatar a emergência, você se vê explicando para um policial como é o barulho que você está ouvindo.
A lei é clara, copio e colo aqui meu artigo favorito:
Art. 9º - Qualquer pessoa que considerar seu sossego perturbado por sons ou ruídos não permitidos poderá solicitar ao órgão competente providências destinadas a fazê-los cessar.
O policial, com nenhuma paciência, pergunta: “mas a festa é num bar?”
Você responde: “não, moço. É no meio da rua, o senhor não está ouvindo?”
Como se fosse um trote, o homem do outro lado da linha lhe pede para desligar e aguardar. Você, deita e espera. Espera... Espera... São 4h e nada.
Mais uma hora se passa, a festa se dissipa com o começo da manhã. Você não dormiu, seus ouvidos doem, sua cabeça está a ponto de explodir. Você sente raiva da vida. No entanto, não há o que fazer. Se nem a polícia vem quando necessário, não é você que vai descer no meio do furdunço armado para botar ordem no pedaço, não é?


A pergunta que eu deixo aqui, depois de uma madrugada em claro, é: qual o valor do silêncio no Brasil? Será que ele caiu em desuso?

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Little bee

Chris Cleave não é apenas um brilhante psicólogo. E sim, um mestre na arte de utilizar metáforas para explicar os piores sentimentos da humanidade. Seu livro, Pequena Abelha, ilustra o poder do homem de destruição quando se trata de garantir, a si mesmo, a sobrevivência.  Em uma explosão de acontecimentos, talvez não tão reais como pareçam, Cleave desenrola uma trama de decisões e indecisões envolvente.

O livro é leve, as páginas correm soltas. É impossível ler aos poucos. Mas seu conteúdo é cáustico. Quem conhece ou se informa sobre as inúmeras realidades da África fica com um nó no estômago após devorar as palavras do psicólogo inglês. Não é a toa que a obra está entre as mais vendidas há alguns meses.

Segue abaixo o meu trecho favorito do livro:

“Eu dizia a eles que perto da minha aldeia existia um rio largo e profundo com cavernas escuras sob as margens, onde os peixes eram descorados e cegos. Não havia luz nas cavernas deles, de modo que depois de milhares de gerações a espécie deles desaprendeu o truque de enxergar. Entendeu o que quero dizer?, eu perguntava aos funcionários do centro de detenção. Sem luz, como se pode manter a visão? Sem um futuro, como conservar a visão do governo? Poderíamos tentar quanto quiséssemos em nosso mundo. Poderíamos ter um Ministro da Hora do Almoço muito diligente. Poderíamos ter um excelente Primeiro-misnistro da Parte Mais Calma do Final da Tarde. Mas quando chega o crepúsculo – está vendo? – nosso mundo desaparece. Não se pode enxergar além do dia porque vocês levaram o amanhã. E porque vocês têm o amanhã diante de seus olhos, não enxergam o que está sendo feito hoje.” (páginas 187-188)

Entrevista com o autor (em inglês):