quarta-feira, 1 de julho de 2015

Saudades

Pequenos pingos, chove lá fora. O cheiro de terra fresca sobe com o mormaço. O calor e as essências, que se misturam com frutas da estação e filtro solar, me lembram muito de casa. Não é saudades, é nostalgia. É acordar no meio da noite com a certeza de que se está em casa, sentido o ambiente acolhedor e imaginando que a sua mãe está na cozinha preparando café.

Sim, senhores, são quase seis meses já. Passou rápido, quem diria? Para os que fizeram suas apostas, agora é a derradeira hora de comprovar o resultado. É aqui que posso encher a boca e dizer que tenho saudades, saudades da minha casa, dos meus gatos, da minha família, dos meus amigos, de comer um churras, de beber chimas na Redença, de frequentar a Cidade Baixa, de ver um filme na Olaria, de andar de Cohab lotado, de ir ao Barra, de passear na Orla, de viver Porto Alegre ao seu máximo.

Saudades que se dá em cada ponto, em cada vírgula. Tudo começa a se transformar em motivo para lembrar de algo, alguém, uma história. Ao mesmo tempo, as histórias vão ficando cada vez mais estórias, mais vagas e nebulosas. Os amigos seguem, distantes, na tela do computador. A vida em Lisboa começa a ter um ritmo lento, parece que estabilizou, mas logo vem uma nova etapa.

Hoje está chovendo e esses são os dias, poucos, raros, em que eu me sinto mais sensível. São os dias em que eu quase confundo Lisboa com Porto Alegre, em que eu busco pelo Mercado Público e subo a Avenida da Liberdade me sentindo na Independência. Esses são os dias em que aquela dor que incomoda todos os dias se torna insuportável. Ainda bem que aqui chove uma vez por mês.

Nesses seis meses eu vivi uma vida. Eu conheci poucas pessoas, mas eu já ganhei uma família, por isso sei que se eu estivesse em Porto Alegre agora, eu sentiria o mesmo por Lisboa: saudades. Apesar de ser pouco tempo, as relações foram intensas e a cidade cresceu em mim. O país me encanta a cada dia e as raízes se formam e se fincam no chão, me prendendo a essa terra.

O peso rola na balança do voltar e ficar todas as noites. Deitada na cama eu deixo a nostalgia me guiar pelas ruas do meu Porto. Enquanto eu crio certezas de que meu lugar é aqui e devo ficar, crio incertezas sobre o futuro, sobre as mudanças por vir. E, ao mesmo tempo que se sabe tudo, não se sabe nada.

Viver fora não é uma busca pela felicidade inatingível. É, sim, uma procura constante pelo lar que se deixou para trás, é cotidianamente racionalizar o que se sente e se dividir em duas pessoas para seguir vivendo. Deixar o seu país é estar aqui sorrindo à mesa de uma casa portuguesa, mas sem deixar de pensar no que estão fazendo as pessoas que você ama do outro lado do Atlântico. É quase como ser um agente secreto, pois temos que mascarar sentimentos, mastigá-los e engoli-los boa parte do tempo.

Aprender a lidar é impossível. Não tem uma regra, ou um conjunto de regras, que explique como não surtar. A gente acumula e desaba constantemente. Aos poucos é que a gente começa a perceber que vive num ciclo, como o da lua, e que tem dias e dias. Quando chove, é inevitável não marejar os olhos e não pensar no caos da Esquina Democrática, com abulantes vendendo sombrinhas a qualquer custo.

Não tem segredo mesmo. Depende de cada um. As pessoas me perguntam hora ou outra como faz para sobreviver. Não se faz, se sobrevive apenas. A gente acaba se contentando com gostos e cheiros, com fotos e conquistas dos amigos, com uma conversa de Skype com a mãe e os gatos. As crises vem e vão, como o sol nasce e se põe.

Às vezes, vamos ter pessoas maravilhosas e compreensivas a nossa volta, para dar um colo, um abraço e dizer que está tudo bem. Outras, vamos afundar sozinhos num buraco negro de sentimentos escuros e só nós mesmos poderemos nos salvar. O importante é saber, como diz o Wander Wildner, que não se "consegue ser alegre o tempo inteiro", mesmo estando em Porto Alegre.